A paralisia dos trabalhos no Congresso, que travou a análise do Orçamento deste ano, pode deixar sem salário militares ativos e inativos das Forças Armadas. Os recursos disponíveis são suficientes para pagamentos até abril.
O gargalo, que colocou em alerta consultores de Orçamento e a equipe econômica, está na chamada regra de ouro, que impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como salários, Previdência e benefícios assistenciais.
Para não descumprir a norma, o governo condicionou uma série de gastos à autorização do Congresso.
Neste ano, 75% da verba destinada à remuneração dos militares depende do aval dos deputados e senadores. Dos R$ 56,7 bilhões previstos para essa conta em 2021, apenas R$ 14,2 bilhões estão efetivamente liberados.
Para pedir autorização desses pagamentos, o governo tem de esperar a aprovação do Orçamento deste ano, que está parado no Congresso. É alto o risco de que o dinheiro acabe antes da análise pelo Legislativo.
"Os recursos disponíveis para pagamento de pessoal, não dependentes da aprovação do projeto de lei da regra de ouro, vão até o mês de abril de 2021", afirmou à Folha o Ministério da Defesa.
Procurado, o Ministério da Economia disse que trabalha com a perspectiva de aprovação do crédito no momento adequado e, por isso, "não é possível antever falta de recursos orçamentários para qualquer despesa prevista ou política pública governamental".
Na avaliação de técnicos que acompanham a formulação do Orçamento, condicionar gastos com militares é uma forma de colocar pressão sobre o Congresso para que as contas do ano sejam aprovadas com rapidez.
Para não descumprir a regra de ouro, o governo precisa pedir autorização ao Congresso para emitir mais dívida do que o estipulado na lei e, assim, conseguir executar todo o Orçamento.
Neste ano, a equipe econômica estima que precisará emitir títulos da dívida pública no valor de R$ 453,7 bilhões acima do limite da regra de ouro.
Esse valor, quase um terço de todos os gastos previstos para o ano, apenas poderá ser liberado após autorização dos congressistas.
O problema, segundo técnicos, está no fato de que ainda não há perspectiva para as votações no Congresso e o governo só pode pedir esse aval do Legislativo após a aprovação e a publicação do Orçamento deste ano, que permanece na estaca zero.
Como a tramitação do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) é longa e pode se arrastar por meses, é possível que os recursos de ministérios acabem antes e o governo fique impedido de fazer novas liberações.
Outras áreas do Executivo também têm volumes elevados de verbas condicionadas ao aval do Congresso.
São os casos da Vice-Presidência da República (64,6%), Advocacia-Geral da União (60,5%), Controladoria-Geral da União (59,9%) e Ministério das Relações Exteriores (54,8%).
Relatório da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado) estima que o Orçamento deste ano não será aprovado antes de abril.
O órgão técnico avalia ser muito difícil que os congressistas votem o PLOA diretamente em plenário, procedimento que foi adotado em dezembro na votação da lei que traça as diretrizes para as contas públicas no ano.
O diretor da IFI Daniel Couri explica que em 2020 o governo aprovou o decreto de calamidade pública e o chamado Orçamento de guerra, que dispensaram o cumprimento de normas fiscais como a regra de ouro. Com isso, foi possível ampliar gastos sem cometer irregularidades.
"O problema é que em 2021 as condições da economia e de saúde pública não mudaram muito, mas não temos o decreto de calamidade", diz.
"É uma situação em que você provavelmente terá de gastar mais, vemos essa discussão sobre a necessidade do auxílio emergencial, a Saúde continuará gastando. E essas despesas aumentam o desequilíbrio da regra de ouro", afirma.
"É muito provável que em abril alguns órgãos, algumas despesas já não tenham mais dotação autorizada no Orçamento."
No ano passado, o governo também deixou uma parte dos gastos com militares ativos e inativos dependendo de aval do Congresso para liberação de recursos. Mas a parcela foi bem menor —aproximadamente metade da verba necessária para bancar todas as remunerações da categoria em 2020.
Ou seja, houve uma margem maior para que o pedido de crédito fosse analisado pelo Congresso. O projeto foi aprovado em maio do ano passado, portanto, antes que o orçamento inicial se tornasse insuficiente.
É a terceira vez que o governo depende de aprovação desse crédito extra para gastar todo o Orçamento, reflexo da crise nas contas públicas.
O Congresso autorizou o governo a descumprir a regra de ouro em 2019 quando faltavam poucos dias para começar a faltar dinheiro para o BPC, benefício assistencial pago a idosos carentes e pessoas com deficiência.
Vincular o crédito extra a gastos de cunho social foi uma estratégia adotada no Orçamento de 2019. Assim, a resistência dos congressistas à medida cai.
Por ser um caso incomum, o projeto que libera o crédito da regra de ouro precisa do apoio da maioria dos parlamentares —257 na Câmara e 41 no Senado. Mas, antes dessa votação, o governo ainda precisa aprovar o Orçamento de 2021.
Por disputa política, o Congresso aprovou apenas a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que dá os comandos para o Orçamento de 2021. Isso impediu a paralisação da máquina pública e de pagamentos, como aposentadorias e salários.
Porém, diante das brigas pelo controle da Câmara, que elege na próxima semana um novo presidente, a CMO (Comissão Mista de Orçamento) nem sequer foi instalada no ano passado e o projeto com a distribuição dos recursos públicos de 2021 ainda não foi votado.
A disputa envolveu o grupo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tenta eleger um sucessor —Baleia Rossi (MDB-SP) —, e o líder do centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Fonte - Folhapress
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