Por muito tempo, a moça se olha no espelho e, enquanto definha em sua
magreza, se vê deformada de tão gorda. Ela se desespera. Angustia-se,
horrorizada, como se estivesse diante daqueles espelhos mágicos que
distorcem as imagens. Só que o espelho mágico está dentro de sua mente.
Em sua imaginação. Na verdade, ela está com anorexia.
Chegar a esse estado dramático e aprisionante não demora muito. Desde o
momento em que ela, na maioria das vezes uma mulher entre 15 e 25 anos,
deixou de lado o primeiro pedaço de chocolate até chegar a um estado de
brutal perda de peso, se passaram no máximo seis meses, na quase
totalidade dos casos. Foi algo assim que aconteceu com a atriz inglesa Rachael Farroch, que, aos 37 anos, está à beira da morte, em seu corpo de apenas 18 kg.
Heroína de ‘Frozen’ inspira mulheres em luta contra anorexia
A anorexia nervosa, segundo a psiquiatra Angélica Claudino,
coordenadora do Programa de Atenção e Orientação aos Transtornos
Alimentares, do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de
São Paulo, é uma doença que exige um tratamento desafiador. E também
ocorre nos homens, em cerca de 10% do total de casos, pelas mesmas
causas e com as mesmas consequências.
— Ninguém fica com anorexia nervosa por causa de apenas um fator. São
vários fatores que levam uma pessoa a ter essa doença, em que estão
vulnerabilidades biológicas, como genéticas ou outras alterações
cerebrais, interagindo com fatores ambientais, características da
personalidade e até aspectos culturais, onde se encontram a preocupação
com o corpo e com a beleza.
Iniciativa dos familiares
Para Angélica, é difícil precisar o início da doença, mas ela se
caracteriza por uma obsessão pela perda de peso, baseada em uma dieta
drástica que, aos poucos, vai levando a prejuízos cognitivos
(conhecimento pela percepção) e, na maioria das vezes, à interpretação
totalmente errada da própria condição física. Rachael por exemplo, era
ativa e saudável, mas chegou a um estágio em que agora depende do marido
até para se locomover.
— Mesmo em estado de plena desnutrição, de anorexia, a pessoa continua
achando que está gorda. Em geral ela não procura o médico porque não tem
crítica sobre a doença. Os outros é que estão enganados. Pessoas
anoréxicas costumam resistir ao tratamento.
Na maioria das vezes, diz a médica, quem toma a iniciativa de buscar
ajuda são os familiares. Trata-se de um distúrbio psíquico que leva a um
distúrbio alimentar, em que a pessoa passa a pensar demais em corpo, em
assuntos relativos a comida, a se interessar apenas em revistas sobre
dieta, em ginástica e se isolando socialmente com receio de ingerir
alimentos.
— A anorexia é um transtorno mental. Esta pessoa está precisando de
ajuda. Muitas vezes ela já está com prejuízos no comportamento do
cérebro, não conseguindo mais trabalhar ou estudar direito. É importante
que os pais ou responsáveis percebam essas mudanças de comportamento.
A desnutrição, dependendo do estágio, vai evoluindo a ponto de provocar
atrofia do cérebro, perda de tecido adiposo (gordura) e de massa
muscular. Sem outros recursos para buscar energia, o organismo, então,
recorre à energia que sobra, nos órgãos e músculos, o que pode levar a
lesões renais e cardíacas.
— Arritmia cardíaca é a principal causa de morte em casos de anorexia.
Tratamento
A anorexia pode ser de dois tipos, conforme conta Angélica: restritiva —
baseada na dieta radical — e bulímica — permeada de ingestões
compulsivas e pontuais de alimentos, seguidas de uso de laxantes ou
vômitos para compensar o ato de comer. E a arritmia tem forte ligação
com a perda de substâncias durante os vômitos ou evacuação. A bulimia
também é um transtorno alimentar, baseado em vômitos, que não chega a
causar desnutrição.
A especialista explica que a maioria dos casos de anorexia é curável,
sendo que cerca de 50% têm plena recuperação, 25% podem ter recaídas e
25% são crônicos, nos quais a pessoa se mantém desnutrida e muitas vezes
precisa se alimentar por sondas ou pelas veias. Assim como as causas, o
tratamento da doença, que em média faz a pessoa perder 25% do peso,
podendo chegar a 50% ou mais, também é feito por múltiplas formas.
— A abordagem médica de um clínico é fundamental para manter o paciente
vivo, repondo substâncias, hidratando e cuidando do equilíbrio do
organismo. A nutricionista vai cuidar para que gradualmente ele ingira
mais alimentos. Em último caso há a necessidade de alimentação enteral
(por sonda) ou parenteral (intravenosa).
Ela ressalta, porém, que a principal ferramenta para reverter o quadro é
uma intensa e duradoura abordagem psicológica, iniciada por uma terapia
cognitiva comportamental que trate os sintomas e trabalhe aspectos como
a autoestima e a identidade. Ainda não existem medicamentos indicados
especificamente para anorexia, segundo Angélica. Há remédios que são
coadjuvantes, ajudando a tratar de sintomas. Também não existem
estatísticas sobre transtornos alimentares. Apenas formas de curá-los.
— Nunca se deve tratar anorexia só com medicamentos ou só com
orientação nutricional. Se não houver um trabalho psicológico, a pessoa
pode recuperar o peso e depois ter recaídas. O problema está na cabeça,
não só no corpo.
Fonte: R7.
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