Unificação do orçamento do governo para ações sociais reduz transparência, dizem analistas

Ao enviar ao Congresso Nacional o Plano Plurianual 2020-2023, o governo unificou o orçamento de ações sociais voltadas para mulheres, população negra, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes. Especialistas ouvidos pelo G1 avaliaram que a medida pode reduzir a transparência com os gastos com essas áreas.
O PPA foi enviado em agosto ao Congresso e define as estratégias orçamentárias do governo do presidente Jair Bolsonaro para os próximos anos.
Agora, caberá aos parlamentares analisar o texto, aprovando a proposta como o governo a enviou ou com modificações.
De acordo com o plano enviado ao Poder Legislativo, o programa “Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos” unificará as seguintes ações:
  • proteção de crianças e adolescentes;
  • pessoas com deficiência;
  • políticas para mulheres;
  • enfrentamento à violência;
  • direitos da juventude;
  • igualdade racial;
  • superação do racismo.
Conforme a mensagem presidencial do PPA, a unificação dessas ações “facilita” o cálculo dos custos com essas áreas.
Ao G1, o coordenador-geral do PPA, Welles Matias de Abreu, acrescentou que a medida é um “arranjo técnico”. Abreu é subsecretário de Planejamento Governamental do Ministério da Economia.
“Pode parecer que houve supressão de programas, e criação de outros, mas o que houve foi um novo arranjo técnico, nesse modelo, com a preocupação de estar associando ações orçamentárias a um programa que tenha sentido do ponto de vista lógico. Esses foram considerados, durante os debates com os técnicos das áreas, como um programa único a ser trabalhado”, declarou.

Transparência

Especialistas ouvidos pelo G1 disseram que a decisão do governo de unificar o orçamento poderá reduzir a transparência.
Isso porque antes era possível saber quanto havia sido exatamente destinado para cada área, e agora será um único orçamento, sem as especificidades.
“Não vai dar mais para saber quanto vão gastar com esses públicos específicos. Mas os parlamentares, enquanto estiverem debatendo o PPA, podem emendar e mudar isso. Podem voltar atrás”, afirmou Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Na mesma linha, a diretora de operações da ONG Transparência Brasil, Juliana Sakai, afirmou que é mais difícil monitorar os gastos públicos quando há a diminuição do detalhamento das despesas. Para ela, a mudança proposta pelo governo dificultará, ainda, saber “na ponta” o valor repassado a cada área.

Divisão no SUS

Enquanto em áreas sociais houve a unificação do orçamento, no Sistema Único de Saúde houve uma divisão. Isso porque o Programa de Fortalecimento do SUS foi dividido em:
  • Gestão e Organização do SUS;
  • Assistência Farmacêutica no SUS;
  • Atenção Especializada à Saúde;
  • Atenção Primária à Saúde;
  • Desenvolvimento Científico, Tecnológico e Produtivo em Saúde;
  • Proteção, Promoção e Recuperação da Saúde Indígena;
  • Vigilância em Saúde.
Segundo o coordenador-geral do PPA, Welles Matias de Abreu, os técnicos envolvidos na formulação do plano entenderam que o SUS deveria ser fragmentado em diversas unidades em razão de “problemas próprios”.

Atenção à primeira infância

De acordo com o PPA enviado ao Congresso Nacional, a chamada primeira infância é classificada como “prioridade” pelo governo para os próximos anos.
Segundo o Ministério da Cidadania, é nessa fase que o cérebro mais se desenvolve “em termos estruturais”, geralmente até o sexto ano de idade.
“Contextos sociais inadequados podem comprometer esse processo de formação e prejudicar o desenvolvimento das competências cognitivas, afetivas e sociais dos indivíduos”, afirma o governo.
Segundo as consultorias de Orçamento do Senado e da Câmara dos Deputados, o governo apresentou uma meta “ambiciosa” ao propor a ampliação do atendimento à primeira infância de 357 mil para 3 milhões até o fim de 2023.
Entretanto, ainda de acordo com essas consultorias, o valor anual para a área cairá de R$ 524 milhões em 2020 para R$ 358 milhões em média nos anos seguintes.
“Logo, cabe indagar como será possível um crescimento de 275% na meta com redução dos valores aplicados. Tratar-se-ia de meta cumulativa? Ou há investimentos no primeiro ano que serão aproveitados em atendimentos menos custosos a partir de então?”, questionaram os consultores.

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