É um verdadeiro tabu: o brasileiro não gosta de falar de dinheiro, nem mesmo dentro de casa, avaliam especialistas. O resultado, como aponta pesquisa recente do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) é que mais de 40% dos brasileiros não conseguiu quitar suas dívidas.
Se desviar o olhar para as reservas financeiras, a maioria não tem o hábito de poupar, nem mesmo para a aposentadoria. O país fechou 2017 com 60 milhões de inadimplentes.
Além da situação econômica do país — é preciso levar em conta que 4 em cada 10 brasileiros estão desempregados — há uma cultura, de longa data, que precisa ser mudada. Educação financeira começa em casa, na relação entre pais de filhos.
“A gente aprende em casa, nas conversas e com os exemplos. A geração que viveu a hiperinflação, um momento de muita instabilidade, não tinha como fazer um planejamento financeiro e não soube ensinar isso aos seus filhos”, avalia a educadora financeira Kelly Possebon, da Nova Futura Investimentos.
Nas década de 1980 e 1990 o brasileiro teve de enfrentar a hiperinflação, com preços sendo alterados diariamente, com pico de 80% de inflação ao mês. Veio o Plano Real, a moeda ficou mais estável, mas mesmo assim não houve uma melhora a relação com o dinheiro, principalmente no que diz respeito à poupança.
“É um problema de educação financeira porque mesmo quando as pessoas tinham renda, elas não pouparam. Ao contrário, houve uma embriaguez com o crédito fácil e consumo desenfreado”, diz José Vignoli, educador financeiro do SPC Brasil.
Principalmente após a crise internacional de 2008, quando o governo brasileiro incentivou o crédito para estimular o consumo no mercado interno, uma forma encontrada de manter a economia rodando. Dinheiro farto, financiamentos a perder de vista. “As pessoas tiveram acesso a bens de consumo como TVs e carros, realizaram o sonho do consumo sem planejamento”, pondera Vignoli.
“As pessoas olham o valor da prestação, cabe no orçamento e compram, não avaliam que terá de pagar aquilo por anos, não calculam os juros e não ponderam que podem vir a perder o emprego, por exemplo”, diz Kelly.
Essa falta de habilidade de lidar com o crédito também é sentida no uso indiscriminado do cartão de crédito, sem levar em conta os juros que ultrapassam 300% ao ano.
O consumismo, a busca por um padrão de vida que não é compatível com a renda e o imediatismo, a compra por impulso são problemas reais e não só do brasileiro. Mas a questão da educação financeira deve ser levada em conta.
“A falta de educação é, sem dúvida, o maior problema que enfrentamos em diferentes níveis, fui a uma loja e a vendedora não sabia calcular o desconto de 10%”, diz Kelly. Para a consultora, a educação deve começar em casa e com as crianças. “É preciso falar sobre dinheiro, se temos ou não, faz parte da vida. Os casais devem ter conversas francas até mesmo para e fugir das traições financeiras, temos de quebrar esse tabu. As crianças precisam entender o que é planejamento, o porquê e como podem fazer”.
Outra barreira a ser superada é a ideia de guardar o dinheiro que sobrar no fim do mês. Por que esse pensamento está errado? Porque no fim do mês, sem planejamento, não vai sobrar dinheiro algum. “O ideal é sempre se colocar em uma posição de guardar, mesmo que não seja um valor alto, o hábito é o mais importante”, afirma Vignoli.
Para Kelly, estabelecer meta é um jeito de tornar o hábito em algo palpável. “Não adianta dizer que vai guardar apenas é como fazer dieta: você sempre vai começar na semana que vem. É importante ter um objetivo: quero viajar para próxima copa. Vou gastar tanto nas passagens e hospedagem, calcule o total, divida este valor pelo tempo. Esse é o valor que deve ser guardado até a viagem”.
Falar sobre dinheiro, colocar as contas no papel e saber o quanto pode gastar e poupar é um hábito simples, que faz diferença, principalmente, na aposentadoria.
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